Por Mariana de Rezende Gomes
Trabalho de Conclusão do Curso de “Formação em Yoga como suporte do Ayurveda 2020”.
Introdução
A ideia do tema deste trabalho surgiu das minhas experiências pessoais com o yoga desde o meu primeiro contato com a prática. Existe uma magia na prática que vai além de simplesmente realizar exercícios físicos. Sim, a prática mais conhecida de yoga aqui no ocidente diz respeito às execuções de posturas que trabalham força, equilíbrio e alongamento do corpo. Se isolarmos somente esses pontos, teremos uma prática puramente física que estaria no conjunto de tantas outras como pilates, corrida, musculação, natação, jogos e por aí vai.
O exercício físico por si só é capaz sim de promover alterações no humor, no nosso psicológico, além dos benefícios à saúde, mas o yoga trás algo a mais. Esse algo a mais é difícil de definir, mas posso tentar expressar como a mais pura felicidade. Não qualquer felicidade confundida com momentos de alegria ou euforia, mas sim como uma sensação de paz e plenitude que surgem e impregnam nossa alma de uma forma que de repente você se vê fazendo o que sempre fez, mas num estado feliz e contente.
Resolvi dividir este trabalho em duas partes. A primeira quero falar sobre a minha história com o yoga e a segunda da felicidade que ele proporciona.
Primeira parte: Minha história com o Yoga
Desde muito cedo eu me identificava com “coisas esotéricas” e tudo neste sentido atraía a minha atenção. Na adolescência lia sobre pedras e suas energias, astrologia, consultava tarólogas, gostava de acender velas coloridas, incensos e misturava tudo isso às minhas imagens católicas (para desespero da minha avó ortodoxa), mas na minha cabeça tudo se somava e eu era a “buscadora” das boas energias, mas o yoga mesmo veio anos mais tarde.
Fiz minha profissão na vida acadêmica, nunca pensei em seguir nenhuma “profissão esotérica” ou que tivesse algum cunho espiritualista. Tendo pais professores, não foi difícil obter grandes exemplos e segui meu caminho de estudos, mas meu lado “esotérico” e às vezes meio hippie sempre me acompanhou em tudo o que eu fazia. Gostava de saias longas, batinhas de renda e os badulaques e bijuterias faziam os adornos finais. Só me faltavam os cheios e compridos cabelos dos meus sonhos, mas que nesta vida veio faltando… tudo bem, não dá para ter tudo.
Mesmo com toda essa inclinação e práticas para atrair e me conectar com boas energias, nem sempre eu me sentia plenamente feliz. As coisas externas eram capazes de me deixar alegre e em paz por alguns momentos, mas eu não conseguia reter essa sensação por muito tempo e um vazio sempre aparecia. Faltava algo, mas eu não sabia o quê. Sentia frequentemente que estava no lugar errado, com as pessoas erradas, a família errada e não sabia também quem seriam as certas.
Este sentimento sempre me acompanhou e eu tentava me distrair dele com os meus afazeres. Com o tempo, fui deixando de lado minhas inclinações esotéricas e alimentando um lado muito “científico e racional” até por conta da minha profissão. Tive períodos muito afastada da vida espiritual inclusive.
Anos mais tarde (meados de 2006), durante meu primeiro casamento e mãe de um filho pequeno, eu me sentia muito sufocada e esgotada, sentia uma necessidade muito grande de me conectar com a natureza e não conseguia sequer sair da minha rota casa/trabalho/família. Foi então que nos meus caminhos a pé pelo bairro eu via uma casa com uma placa escrita YOGA e um dia tomei impulso e toquei lá para saber como fazia para fazer o tal do YOGA.
Minha noção verdadeira do que era yoga era tão nula quanto minha capacidade de falar russo ou alemão, mas algo no som da palavra “yoga” vibrava no meu íntimo de um jeito simpático e especial. Pensando em princípio que seria uma prática fundamentalmente física (era o máximo que minha mente alcançava naquele momento) resolvi experimentar e tentar fazer algo pelo meu corpo que estava muito enfraquecido. Comecei as aulas nesta casa. Era a casa da professora de Yoga, uma senhora muito simpática e acolhedora que dava aula em um espaço amplo de sua casa. Minha turma era basicamente da terceira idade e as aulas muito leves. Como atividade física me frustrei bastante, afinal desde cedo eu gostava de praticar esportes e achava que aquele yoga não conseguiria deixar meu corpo fortalecido. De qualquer forma, eu me sentia muito bem ali. Tinha uma pintura grande de natureza na sala, uma música suave e os exercícios eram gostosos. Ali por algum tempo eu fiquei e era uma espécie de refúgio de uma vida turbulenta de muito trabalho e um casamento problemático.
3
Não me lembro quando nem porque sai de lá, mas a vida seguiu e eu deixei as aulas de yoga. Buscando mais adiante uma atividade que fortalecesse meu corpo, resolvi retomar à academia de ginástica. Na academia em que me matriculei eu fazia musculação, mas havia um quadro de horários de aulas que eu tentava ver onde poderia me encaixar para fazer mais alguma atividade (menos monótona que a musculação) e tinha lá um quadradinho escrito “POWER YOGA”. Pensei: “Nossa, o que deveria ser esse Power Yoga?” Tendo a primeira referência de aulas de yoga na casa da senhorinha com minha turma da terceira idade, achei que pudesse ser uma aula mais animada das que eu conhecia e lá fui eu experimentar.
A começar pela turma que já tinha outro perfil de mulheres (predominantemente) bonitas e fortes, achei tudo muito diferente da minha primeira escola de yoga. O professor era um homem jovem bem magrinho com cabelo raspado e muito tranquilo. A minha primeira aula começou e fiquei completamente atordoada, enquanto eu estava me achando no primeiro asana, a turma já ia para o terceiro… Não tinha permanência nem tão pouco lentidão nos movimentos, daí entendi por que chamava “Power Yoga” e no final, eu descabelada e cansada ouvi ainda o professor dizer: “Agora vamos inverter”. Pensei comigo: “Que diabos seria isso, meu Deus?” E de repente, pluft, todo mundo de ponta cabeça!! Quis sair correndo dali!!! A minha professora senhorinha de yoga nunca falou em inversão, nunca colocou as velhinhas de ponta cabeça. Olhei com uma cara apavorada para o professor e disse: “não sei fazer isso, não, posso pular essa parte, né?” Então ele disse: “você consegue sim, vem que eu te ajudo”. Pensa num pânico generalizado por todo o meu corpo!! Eu olhava aquelas pessoas de ponta cabeça com a face tão tranquila e pensava que eram super humanas e que eu jamais chegaria nesse grau. Enfim, ele foi tentando me ensinar o que sei hoje que é o Sirshasana, mas meu pavor e minha sensação de inferioridade perante aquelas pessoas tão fortes e bonitas de ponta cabeça, não me deixou evoluir muito nas tentativas. Sai daquela aula dizendo para mim mesma: “Esse povo inventa muita coisa, isso não é yoga, coitado do yoga que foi deturpado com essa história de power yoga, isso não existe! É invenção de academia!” Jurei não aparecer mais. Na semana seguinte lá estava eu na sala de aula de power yoga novamente… Atraída sei lá pelo quê, nada que eu conseguisse expressar em palavras, mas como uma espécie de magnetismo eu voltava para as aulas.
4
Não fiquei muito mais tempo na academia. Minha vida deu uma reviravolta, eu me divorciei, tive sérios problemas financeiros, meu filho era muito pequeno ainda (3 anos) e eu tentava reorganizar minha vida. Deixei o yoga mais uma vez.
Desde então passaram-se pouco mais de 10 anos quando reencontrei meu velho e breve companheiro chamado yoga. Neste meio tempo fiz da corrida minha terapia e meu fortalecimento, me reconectei ao lado espiritual me filiando ao Centro Espírita próximo à minha casa e minha vida já estava reorganizada e eu casada novamente.
Em meados de 2018, “do nada” a palavra yoga vinha fortemente em minha mente. Eu andava muito cansada das lesões musculares por conta da corrida e novamente sentia que precisava fazer algo pelo meu corpo. Eu tinha entrado fazia pouco tempo em um clube esportivo e guiada por essa ideia súbita do yoga fui procurar na grade de horários se eles tinham aulas e sim, eles tinham. Lá fui eu e coloquei meu nome na lista de espera da turma das 7h30. Passaram-se nem duas semanas e recebi uma mensagem do clube dizendo que havia aberto a vaga e eu poderia me inscrever. Pensei: “Nossa que fila de espera rápida essa, né, minha gente?” E então fui eu para minha terceira experiência com o yoga.
Comecei as aulas e logo de início senti algo diferente das duas outras experiências anteriores, não sei explicar, mas a sensação que eu tinha é que eu agora estava na hora, no lugar e na atividade certa. Uma sensação de pertencimento muito grande e uma motivação imensa em fazer aquilo ali. A professora entoou um mantra antes da aula e fiquei encantada. Fui pedir a ela que me ensinasse a cantar. Ela me enviou um vídeo do youtube e eu ouvia e ouvia e ouvia até decorar. Era o Shanti Mantra Sahana Vavatu. O primeiro que eu aprendi! Eu gostava das aulas, da professora, mas a galera não ajudava muito, era um pessoal muito chato que só queria saber das posturas e da parte física… E eu de repente comecei a querer saber da outra parte, o que está por trás desta “parte física”, a filosofia, os mantras, que universo a ser explorado! Eu saia da aula tão feliz e não sabia porque, só sabia que aquilo me fazia muito bem e eu queria agora saber o porquê.
Começou então a minha busca por entender o motivo de me sentir tão feliz, o que estava por trás daquelas posturas, qual o significado dos mantras, como usá-los, e toda essa filosofia de yoga, meditação, etc….
5
Como só eu queria saber disso na turma, achei que meus dias ali estavam contados e eu não conseguiria evoluir nas minhas investigações.
Comecei a procurar outro lugar para fazer yoga e um belo dia subindo a rua Aimberê vi uma casa roxa que me chamou atenção e do lado tinha uma placa “Aulas de Yoga”. Não sei dizer, mas minha alma parou naquele lugar. Voltei depois de carro e parei na porta e fiquei olhando a casa por um tempo, peguei o nome, anotei o número e fui pesquisar.
Bom, hoje é fácil pesquisar qualquer coisa, né? Pá… google, instagram! O SimYoga estava lá. Olhando as fotos, vi um rostinho familiar e pensei: “Olha, eu acho que essa moça é minha vizinha, Rita, eu acho ser o nome dela.” Então na primeira oportunidade que eu encontrei a Rita no elevador do prédio, já a abordei e perguntei: “Você é professora de Yoga?” Com um sorriso muito alegre e doce ela disse sim. Perguntei: “Você trabalha numa escola chamada SimYoga?” E ela disse sim. Meu Deus, que coincidência é essa?? Minha vizinha de andar, porta com porta, professora de yoga e daquela escola que me chamou atenção!!!
Entendi tudo aquilo como um grande sinal do universo e para lá que eu deveria me transferir agora.
Fui fazer minha aula experimental com a professora Simone, dona da escola, pois meus horários disponíveis não coincidiam com os da Rita, minha vizinha. E foi uma experiência diferente da primeira, da segunda e da terceira, foi o fechamento da sensação de pertencimento. Ali era o lugar que iria trazer respostas às minhas investigações, ali eu iria me expandir e entender o que era o yoga e porque ele me deixava tão feliz e motivada.
Amei a prática, o lugar e a professora. Fiquei no horário da professora Simone, mas fiz também aulas com a minha vizinha, claro! E eram aulas igualmente maravilhosas! (Não falo isso porque vocês estão lendo meu trabalho, não, e sim porque é a mais pura verdade!) Que benção ter chegado à elas e à este lugar! Nos dias em que eu fazia yoga, o céu era mais azul, as plantas eram mais coloridas, o trânsito não era tão feio, meu trabalho não era tão cansativo. Em resumo, era um dia mais feliz mesmo eu fazendo as mesmas coisas que sempre fazia.
O resto da história vocês já sabem. Estou eu aqui concluindo um curso de formação em yoga, tamanha a minha sede de conhecimento e identificação com esta escola e sua equipe. Nasceu em mim, a vontade de ensinar yoga, de viver em yoga, de resgatar minhas saias longas, minhas pedras, minhas velas coloridas, incensos e juntá-los às imagens de Shiva, Ganesha, Lakshmi, Jesus, Nossa Senhora… (a galera agora aumentou) e cantar mantras com eles. Hoje me vejo como aquela “adolescente esotérica” num corpo de mulher madura tentando entender todas essas conexões do universo, reconhecendo que já havia uma semente guardada em mim que só precisava do local certo, da terra certa, do horário do sol certo para começar a germinar. E agora sinto que tudo isso eu encontrei, que aquela sensação de vazio não sinto mais e que a semente começou a germinar.
Segunda parte: A felicidade que o yoga proporciona
É muito difícil definir o que é felicidade. Tecnicamente podemos tentar definir com a ajuda de um dicionário.
O dicionário diz que felicidade é:
“1. A qualidade ou estado de feliz; estado de uma consciência plenamente satisfeita; satisfação; contentamento; bem estar.”
“2. Boa fortuna; sorte”
Lendo isto, podemos perguntar, satisfação com o quê? Contentamento pelo quê? Só quem tem fortuna e sorte é feliz? O que é sorte?
Não tenho a pretensão de responder essas perguntas com a coerência de um filósofo ou um estudioso do assunto, mas com o que tenho no meu coração e com o que leio nos meus poucos estudos ainda.
Para mim, a satisfação é algo muito amplo, podemos ficar satisfeitos quando saciamos nossa fome ou nossa vontade de comer um doce, tomar um sorvete, por exemplo, quando passamos no vestibular ou ganhamos um prêmio, quando as pessoas nos elogiam, quando realizamos um sonho… e por aí vai. Mas isso seria a fórmula da felicidade? Obter “coisas” externas seria o segredo da felicidade? Por outro ponto de vista, podemos ser simplesmente satisfeitos pelo que nós somos e pronto.
Eu penso que felicidade é um estado e não só um momento. Podemos sim, ter momentos de felicidade, mas aquela real e completa vem da sensação constante de bem-estar e paz mental.
A psicóloga norte-americana Susan Andrews diz que a felicidade é derivada da combinação entre o grau e a frequência de emoções positivas, ou seja, quanto menores e mais espaçados forem os momentos de sensações negativas como tristeza e raiva, maiores e mais frequentes serão os momentos de satisfação e alegria, logo o estado de felicidade se torna mais constante, mas não está vinculada necessariamente a total ausência de emoções desagradáveis.
A felicidade é diferente de euforia, pois apresenta-se como uma sensação de bem estar e dura mais tempo que momentos de euforia. Segundo a psicóloga, todos nós podemos aprender a sermos felizes e existem três caminhos para isso: 1.) Autocontrole do sistema nervoso, ativando respostas de relaxamento mesmo diante de situações de estresse. 2.) Formação de vínculos. Precisamos nos sentir conectados ou vinculados harmoniosamente a algo importante como a família, amigos ou nos sentirmos úteis envolvidos com projetos edificantes, por exemplo. 3.) Espiritualidade, a conexão com algo maior para que tenhamos um senso de significado da vida e propósito.
Todas as satisfações materiais da vida podem nos dar felicidade por um breve momento, mas não conseguem manter o sentimento de alegria por muito tempo, por isso, entendo que não podemos associar a aquisição de bens materiais à promoção de bem-estar permanente ou seja, de felicidade.
Da mesma forma, Dalai Lama diz que a felicidade é um sentimento de maior satisfação, mas que não depende necessariamente de experiências prazerosas, justamente porque são passageiras, transitórias.
O que acontece é que, pelo fato de a sensação de satisfação ser momentânea, nos vemos buscando-a incessantemente numa espécie de vício em adquirir coisas novas ou obter sensações prazerosas a todo momento como com a comida, por exemplo. Neste comportamento colocamos a felicidade no patamar de objeto, como se fosse algo externo a nós e isto na verdade, irá somente nos tornar cada vez mais carentes, insatisfeitos e infelizes. É só pensar: e se tivéssemos todo o dinheiro do mundo e pudéssemos adquirir qualquer coisa? O que sobraria depois de todos os desejos satisfeitos? Felicidade plena e eterna? Se fosse assim, todos os milionários seriam felizes para sempre, mas as coisas não acontecem assim. Em muitos casos, depois de acostumados com a riqueza, sem mais motivações, vem o vazio, a tristeza, a depressão e a perda do sentido da vida.
Isso não significa tão pouco que precisamos ser pobres e miseráveis para sermos felizes e sim, que precisamos entender que os bens materiais não são a fonte real de felicidade. Não devemos apostar nossas fichas nesse caminho, ou seja, criar “fatores de dependência” para a felicidade.
Refletindo sobre isso, Susan Andrews criou o termo “Felicidade Interna Bruta (FIB)”, uma espécie de indicador que procura medir a quantidade de felicidade das pessoas e os fatores que a influenciariam, mas que (para mim) carrega todo o seu sentido na palavra do meio “interna”. A felicidade é interna, não está em nada que possamos comprar ou obter do mundo exterior.
Estudando a definição de Felicidade em outras fontes, encontrei na enciclopédia Wikipedia o seguinte:
“Felicidade é um estado durável de plenitude, satisfação e equilíbrio físico e psíquico, em que o sofrimento e a inquietude são transformados em emoções ou sentimentos que vão desde o contentamento até a alegria intensa ou júbilo. A felicidade tem ainda o significado de bem-estar espiritual ou paz interior.”
Todas essas definições são muito bonitas, mas faltam ser concluídas com o “como”. Como conseguimos atingir esse estado de bem-estar permanente?
Aí vai o meu palpite: praticando yoga!
Nesta última definição, podemos destacar a parte do “equilíbrio físico e psíquico” e pensar: realmente é mais difícil uma pessoa se sentir feliz se está doente ou com dores físicas, da mesma forma que é mais difícil, também, quando está passando por perturbações em nível psíquico ou mesmo emocional.
Existe a necessidade primordial de estabilizar estes “departamentos” para que se consiga acessar o sentimento de felicidade e o yoga existe para isso.
Como já mencionei, infelizmente, não estabilizamos esses “departamentos” apenas adquirindo coisas ou tendo experiências prazerosas. Podemos, quando estamos tristes, tomar um sorvete e nos sentirmos mais alegres, mas logo a sensação passa porque essas atitudes não agem na raiz da questão. Assim como um remédio não cura a doença, mas pode tirar a dor momentaneamente.
O yoga é a melhor ferramenta para estabilizarmos nosso sistema nervoso e Susan Andrews também coloca como primeiro caminho para a felicidade o autocontrole do sistema nervoso. Logo, podemos concluir que o yoga nos coloca na rota da felicidade.
Além disso, nos proporciona saúde e mais saudáveis nos sentimos mais felizes também. Como habitamos ainda um corpo humano e somos muito densos, estamos sujeitos a doenças, dores emocionais e todo o tipo de avaria em nossa constituição física e psíquica e isso se torna um grande obstáculo para manter a felicidade em todos os momentos dos nossos dias. Contudo, tendo a consciência disso, já demos um primeiro passo. O exercício agora seria conseguir acessá-la e fazê-la durar pelo maior tempo possível.
Um estudo feito por Ross e colaboradores em 2013 selecionou 1045 indivíduos, incluindo homens e mulheres com idades entre 19 e 87 anos com média de 11,4 anos de prática de yoga regular para descreverem suas percepções sobre os efeitos físicos e mentais causados pelo yoga em suas vidas. Os autores constataram que em todas as variáveis estudadas houve relato de melhora após a instalação do hábito de praticar yoga. Das variáveis que interessam mais o tema deste trabalho destaco aqui os apontamentos dos autores de que 84,5% perceberam um aumento em seu nível de energia (disposição), 86,5% relataram sentirem-se mais felizes e 67% relataram melhora nas suas relações sociais. Os autores concluíram que a maioria dos participantes descreveu significativa melhora na saúde física e mental em decorrência da prática regular de yoga.
Isso vem ao encontro do que sinto e o que ouço de outras pessoas que praticam yoga. A ciência é capaz de comprovar por meio dessas observações e sistematizações de relatos que o yoga melhora a nossa saúde física e mental. Outros recursos científicos também são empregados em pesquisas experimentais e é possível notar alterações cerebrais positivas nos praticantes de yoga, principalmente meditadores.
Tudo isso é muito importante e significativo e tem aplicações diretas na nossa vida prática. Um corpo saudável e uma mente tranquila são mais resistentes às turbulências do mundo, assim como uma casa construída numa rocha resiste melhor aos vendavais do que uma cabana montada na areia da praia. Essas pessoas são certamente mais felizes.
No segundo sutra do capítulo 1 dos Yoga Sutras de Patanjali, yoga está definida como “a cessão das oscilações ou recolhimento das atividades da mente (yoga citta vrtti nirodhah)” e o que ele quer nos dizer é que o yoga é esse recolhimento que nos faz perceber que não somos a nossa mente e que não devemos nos identificar com as flutuações dela. Na maior parte das vezes sofremos pelos pensamentos negativos que projetamos e que não são uma realidade. Dessa forma, temos uma pista de como conseguiremos chegar a essa paz interior traduzida como felicidade.
Outro ponto complementar é como nos apresenta Eckhart Tolle em seu livro “O poder do Agora”. Muito do nosso sofrimento reside no fato de focarmos nos acontecimentos passados ou nos anseios do futuro, roubando a nossa presença do momento aqui e agora. Quando estamos no momento presente nossa dor diminui ou até mesmo nem existe. O yoga nos convida a viver o aqui e o agora, focar no que estamos sentindo em cada asana, na percepção da nossa respiração e nos objetos da meditação, por exemplo. Quando “voltamos” para o momento presente, estamos voltando para nós mesmos e percebemos que a nossa essência é paz e amor.
Por outro lado, nossas emoções negativas ficam impregnadas em nosso corpo físico e não demoram a se expressarem como doenças. O yoga liberta essas emoções presas, libera a musculatura rígida, desentope os canais energéticos, chamados de Nadis, e permite que a energia vital conhecida como Prana permeie e flua por todo o nosso corpo revitalizando- o e nos trazendo a sensação de bem estar.
Prana é a energia que permeia todo o universo e dá vida a tudo, quando nossos canais estão com toxinas acumuladas não conseguimos absorvê-lo e então nos tornamos apáticos, mal dispostos e até mesmo doentes. Essas toxinas são geradas quando não conseguimos digerir e reverter nossos estados emocionais ruins, maus pensamentos, assim como a má alimentação e a falta de sono. Elas se acumulam nesses canais impedindo que a energia saudável do Prana revitalize nosso corpo e nos mantenha saudáveis.
A nossa musculatura também reflete nosso estado psíquico. Tensões, falta de flexibilidade, encurtamentos dizem como reagimos diante dos fatos que ocorrem em nossas vidas. Sendo assim, asanas, kryas e pranayamas são práticas dentro do contexto do yoga muito importantes para ajudar na purificação orgânica, melhora da condição física e consequentemente melhoram no nosso estado de espírito.
Contudo, o yoga vai além da prática destas técnicas. Com nossos canais mais limpos nos conectamos mais facilmente à espiritualidade maior, terceiro caminho para a felicidade apontado por Susan Andrews. Nós somos seres espirituais vivendo uma experiência humana e não o contrário. Ao nos sentirmos mais conectados com a espiritualidade, a sensação que temos é de “volta pra casa” e isso nos faz sentir felicidade.
Para chegar lá existe um caminho, mas que exige disciplina e mudança de hábitos e não só fazer aulas de yoga. Os oito passos (ashtanga yoga) de Patanjali nos ensina como percorrer esse caminho. Devemos seguir regras de conduta (Yamas e Niyamas), praticar asanas, pranayamas, meditar (dharana e dhyana) e finalmente poder alcançar o estado de plenitude do Samadhi. Permeando tudo isso devemos cuidar da nossa alimentação e do que nos nutre além dos alimentos, do que escolhemos ver, ouvir, receber, etc e com ajuda do Ayurveda ainda temos mais orientações de como cuidar melhor da nossa saúde. Esse caminho todo é chamado de “vida de yoga”.
Os acontecimentos do mundo afetam as pessoas de forma diferentes, tem pessoas que ficam doentes e tem pessoas que reagem mais confiantes e serenamente aos fatos adversos. Qual a diferença entre elas? Eu arrisco a dizer que as primeiras encontraram o caminho do yoga e outras ainda irão encontrar.
Contudo, se isso é toda uma estrada a percorrer, por que sentimos esse bem-estar logo de cara, quando começamos a praticar yoga?
Logo na primeira aula ou no primeiro contato com o yoga acredito que, se conectados verdadeiramente com a prática, temos um vislumbre intuitivo de tudo isso, uma espécie de sinal de que o caminho para a felicidade é por aqui ou uma espécie de “amostra grátis” do néctar da felicidade. Logo, com a disciplina, a regularidade e o entendimento vamos ampliando nossa visão e naturalmente percebendo um estado de contentamento pela vida em maior parte do tempo.
A partir daí nos percebemos simplesmente felizes e satisfeitos com a vida do jeito que ela é. Os problemas não desparecem, mas nosso olhar é diferente.
Talvez a ciência nunca consiga traduzir isso em números ou achados bioquímicos ou talvez precisem apenas aprimorar suas ferramentas de aferição.
Mesmo assim, ela (a ciência) vai continuar estudando e tentando expressar em termos científicos o que acontece com o nosso corpo e nossa mente quando praticamos yoga e como isso se conecta à felicidade, afinal este é papel dela. Para os yogues isso não é tão importante, pois só irá servir para, tecnicamente, comprovar o que eles já sabem consciente ou inconscientemente há milênios.
Para mim, o Yoga é a ferramenta que tira o véu da nossa face e nos permite ver que a felicidade não está fora nem dentro de nós, simplesmente porque ela “não é algo” e sim “nós somos ela”. Nós somos a manifestação do mais puro, eterno e verdadeiro amor divino chamada pelo nome de felicidade. Essa é a minha interpretação.
Conclusão:
Como conclusão quero tomar a liberdade de não concluir pois, penso que, como a felicidade e o yoga são infinitos em sua essência, não há como concluir a relação entre ambos. Não há fontes bibliográficas e vivências suficientes que os encerrem. Eles simplesmente coexistem e os sentimos desde sempre.
Por última observação, quero expressar que, uma vez que não se sabe quando o yoga nasceu, arrisco em dizer que ele nasceu com o primeiro ser humano encarnado aqui na Terra e morrerá também com o último ser humano deste planeta, porém reencarnará em outros mundos incessantemente para que todos os serem possam sentir felicidade em qualquer tempo e em qualquer lugar, sendo assim eterno como todos nós.
Namastê! _/\_
Bibliografia consultada:
Eckhart Tolle. O Poder do Agora. Novato, Califórnia, EUA: New World
Library, 2001.
Os Yoga Sutras de Patanjali. Tradução Carlos Eduardo G. Barbosa. São Paulo: Ed. Mantra, 2015.
Ross, A.; Friedmann, E.; Bevans, M.; Thomas, S. National Survey of yoga Practitioners: Mental and Physical Health Benefits. Complement Ther Med. 2013 August ; 21(4): 313–323. doi:10.1016/j.ctim.2013.04.001
Swami Niranjanananda Saraswati. Prana and Pranayama. Munger, Bihar, India: Yoga Publications Trust, 2009.
Susan Andrews fala sobre ciência e felicidade.
https://www.diariodaregiao.com.br/_conteudo/vidaeestilo/susan- andrews-fala-sobre-ci%C3%AAncia-da-felicidade-1.368854.html
Susan Andrews. A Ciência da Felicidade.
https://www.visaofuturo.org.br/media/pdf/artigos-entrevistas/a-ciencia- da-felicidade.pdf